domingo, 18 de outubro de 2020

Brisa: toda tempestade começa com uma

"No Nordeste faz calor também, mas lá tem brisa."
(BANDEIRA, Manuel. Meus Poemas Preferidos, 2002)

"Abandonei-me ao vento. 
Abandonei-me ao vento. 
Quem sou, pode explicar-te o vento que me invade.  
Abandonei-me ao vento como um grão.
(...) 
Sem a opressão dos ganhos, utensílio, abandonei-me. 
E assim fiquei conciso, eterno. 
Mas o amor guardou meu nome." 

(NEJAR, Carlos. Amar: a mais alta constelação, 1991)
 


Viajar e brisar...
Para fazer repirar a inspiração.


Se há uma coisa que eu amo é perceber-me ainda movido pelas minhas paixões. Escrever, com certeza, é uma delas. Viajar, também. Oxigenar a vida, é importante demais e em tantas escalas que me fez perceber que não à toa, eu sou regido pelo signo do ar. Mas, calma! Não é um texto sobre signos (não totalmente... é, sim, vai! Quem eu quero enganar?). Nada pra mim é melhor do que perceber a mim mesmo sob a égide de algo tão orgânico e vivo: o ar.

Aliás, não apenas o ar como conceito abstrato, mas em movimento. A gente aprende tanta coisa sobre isso na escola... Mas, fica lá. Afinal de contas, quem quer saber o que é monção, vento alísio, contante, periódico? 

Imagino que esse conhecimanto fica guardado na mesma gaveta que a fórmula de Bháskara e a Revolução Francesa. Mas, deixa eu te contar: quando toca a vida, todo mundo quer saber que toda tempestade começa com uma brisa (a polissemia que habita nessa palavra... ou melhor, a ambiguidade, me fascina).


Sinta a Brisa


E sim, mais uma autobiografia. Deve ser aquela vontade louca de não ser esquecido depois que eu me for, que acomete muita gente. Mas, prometo que eu trouxe eus líricos aqui e ali. Como mencionado há alguns meses, nem todo mundo merece ser exposto por um escritor de qualidade duvidosa. E um pouco de poesia e prosa não faz mal a ninguém.

Uma das máximas que eu mais amo é "Viajar é preciso". Ela derivou de um grito de ordem dado por um general romano (Pompeu) aos marujos com medo de navegar durante a guerra: "Navigare necesse; vivere non est necesse" (Navegar é necessário; viver não é necessário). Fernando Pessoa brincou com a frase algumas vezes. Quando disse "para viajar basta existir", penso que se referia a pessoas como eu. 

EU VIAJO NO VERBO BRISAR


Se tem algo que eu faço bem e com propriedade, é viajar. A imensa maioria das vezes, em pensamentos (perceberam que eu tenho um rolêzinho com o que é ambíguo, não é?). Mas, aterrisar em terras pernambucanas depois de anos de jejum, me fez respirar.

Aliás, eu flerto com os ares recifenses a minha vida inteira, mas dessa vez, a seca e gélida atmosfera sudestina foi invadida por ondas de uma brisa maravilhosa.  Durante o dia povoava meus anseios e à noite me conduzia até um mar de inebriante vontade de cruzar qualquer continente.

Voar é o ápice onde o maior medo e o maior prazer colidem. Entregar o controle da sua vida nas mãos de um terceiro é um risco tão enorme que é até impressionante como o fato de estar sobre as nuvens me faz ignorar completamente qualquer temor em morrer. Como diria Pessoa, relembrando Pompeu: "Navegar é preciso; viver não é preciso". 

Voar é o ápice de tudo
Voar é o ápice de tudo



Antes, que você pense que o poeta sugeria uma vida de inconsequência sem limites (com razão, devo dizer), ele também fazia uma brincadeirinha com a ambiguidade de "preciso", no sentido de precisão, exatidão, certeza.

A gente gosta de conservar essa falsa impressão de controle sobre tudo. É a obsessão por padrões, por perfeição. É aquilo que nos faz comparar pessoas e relacionamentos, a coisas. E nós somos muito mais orgânicos, naturais, fluidos que isso. 


Somos uma contradição em nós mesmos; o desejo enorme de estarmos com quem queima nossa alma e o medo desesperado de que isso vire nossa vida de cabeça para baixo.

Tão contraditório, que a chama que me levou a atravessar meio país retomou fôlego ao voltar de onde partiu. Sentir os poros se reascenderem de vida ao sentir as cálidas brisas de setembro, recheadas de amor e umidade, fizeram ao longe os raios crepitarem rasgando o horizonte e os relâmpagos iluminarem o céu da minha criatividade.

UMA BRISA É O SCIENCE QUE VIVE EM MIM


Abreu e Lima, refúgio de uma explosão de tudo: de verde, fraternidade, amor, pulsão, abraços, Carreteiro, memórias, nostalgia, descobertas, encontros e reencontros.

Boa Viagem se coloriu como se a cada sopro, eu mergulhasse numa piscina de desejo, fervor e vontade. O vazio do planejamento, tão humano, tão mundano, se preencheu de improviso.

Essas são as relações. Não como coisas, mas como vida. Os ventos estão sempre em movimento, pois eles ocupam espaço. Se há um lugar de baixa pressão atmosférica, há um deslocamento de ar para aquela área e assim a mudança se estabelece. 
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Às vezes contantes, como o Vento Alísio que sopra dos polos para o Equador. Às vezes periódicos, como a Brisa. Que vem e vai, alvorece nos teus braços e, durante o crepúsculo, volta para o mar.

Recife, cortado por tantos ventos, com ares que causaram em muito a consciência de que há uma relação com o elemento ar (que rege meu sol). Seja pelo alto astral e leveza que tudo aqui me causa, seja pela vontade de me deslocar entre diversos lugares, seja pela explosão de criatividade, não sei ao certo. 

De uma coisa eu tenho certeza: ar gosta de alimentar fogo. E essa percepção me fez pensar no calor sagitariano que ascendeu quando meus sentidos pousaram nus e desprovidos de proteção nesse hellcife carinhoso.

QUANDO A BRISA VIRA TEMPESTADE


É a timidez arrebatadora que inspira. É o olhar quando não se estar a olhar e o flagrante enrusbecedor. A cada percepção, um deslocamento de alta pressão atmosférica para um de baixa pressão. A condensação do ar e o aquecimento, a velocidade espiralada em forma de sorrisos, toques, ebriedade e aproximação. Os diálogos e os silêncios, os relâmpagos e os raios de vontade, energizados pela beleza do que se pode dissipar a qualquer momento e se transformar. É assim que a vida é.

Não é mais sopro da manhã ou carícia da noite, nem vento de uivar na janela, é tormento de desejo, é vontade abstrata firme, voraz, é entrar por essa porta agora e mudar a vida em meia hora; é tornado, tufão, furacão.

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É deveras racional quem não tem medo de um fenômeno natural. Mas, é com medo mesmo que a gente aprende que o prazer estar em viver. É nesse mar revolto em que dois furacões encontram a mesma direção, que você entende que não há que se querer mais que ser um com tudo aquilo. 

De sentir na língua o mar inteiro se inundar e os céus se iluminarem tão rapidamente que fica impossível dizer que toda aquela força da natureza não está reagindo exclusivamente a você.

DEPOIS DA TEMPESTADE, BRISA


Quem sobrevive à tempestade no farol sabe menos sobre os sentimentos envolvidos e o prazer de viver, que os marujos de Pompeu. "Navegar é preciso. Viver não é preciso", sorri Fernando Pessoa.


Mil vezes voar até aqui, mil vezes naufragado no mar, que nenhuma única vez ter saído de lá.

Eu disse que traria uns zeu lírico pesado pro rolê, não disse? Trouxe. E faz parte desse retorno de mim. Não à toa, eu amo escrever. E se você pegou a referência de uma de muitas facetas dessa viagem que me fez reacender, eu tenho mais é que te agradecer.


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