terça-feira, 14 de março de 2017

O combinado

"O planejamento, em excesso, asfixia a iniciativa e engessa o progresso" 
(SOUSAHélder Sena)



O combinado






O combinado parece um modelo mal
plagiado de Eduardo e Mônica, a diferença primordial é que o casal da canção está diluído entre os protagonistas dessa história de março.


Sim! Março. 2015. Pouco tempo depois das varias imigrações e aglutinações, a universidade decidira trazer a jovem guerreira até o laboratório de informática do térreo em definitivo.

Por mais que a parca memória flexione para maio (por conta do radical ou da rima), havia pouco tempo que ela completara 19 verões.


Era o último ano dele como protótipo. O inverno se aproximava para garantir-lhe mais um punhado de cabelos brancos, mas seu semblante juvenil não mudara. Só seu ego lastimava o respeito que não tinha. De resto, ninguém acreditava na idade que já vivera.

As ideias para concluir seu estimado livro, rasgavam-lhe a tranquilidade. Queria mudar o mundo e ter algo importante, mas ainda fervilhava a vida em sua memória e só queria, antes de mais nada, respirar.

A inusitada geniosidade, os grandes expressivos olhos castanhos e os fartos lábios vermelho-vivo, denotavam uma pessoa de têmpera, além de todos os atrativos que o cativavam.

Para ele era impossível, como na letra do Bruno Gouvêia. Mas, nesse caso a impossibilidade residia no não perceber, no não reparar, no não se deixar levar. 

"Não vou mudar por conta de ninguém. Se gostou, gostou... Se não gostou, posso fazer nada! Se quiser não mais falar comigo, tudo bem!". Não importava quem era o alvo do levante, o acerto fora totalmente no ouvinte ao lado.

De "você faz jornalismo?" ao "você gosta da sua boca, não é?" um flash surpreendente de combinações e encontros.

Era um combinado.

A companhia que a princípio era um sopro de coincidência, logo se tornara uma necessidade. "Como não acompanhar aonde quer que fosse? Sé, Luz, Armênia... Wherever".

De combinado em combinado veio o "conseguiu o que queria?" acompanhado de tremor nos lábios, respiração densa e fervor da pele.

Era um misto de desencontros. Mas, pretendia a si, combinado.

O combinado era aproveitar o máximo do momento e não atrapalhar o caminho. Então, deixar estar seria sempre a bola da vez.

Era, desapercebido, um descombinado.

Mas, troca de carinhos em público, não estava nos planos e passou a descombinar.
Luz, também não estava nos planos e passou a descombinar.
Permanências até altas horas, nem sequer se relevaria, mas passou a descombinar.

Mesmo a Armênia, com a memória do primeiro fôlego perdido, fugia a qualquer planejamento. Então, desde o início, era uma cadeia de descombinar.

O que dizer de abril e maio? Da dor da distância diante da viagem ao passado? 
O que dizer de junho e julho? Da dor da distância pelas ausências promovida pela falta das classes?

Mas, era o combinado e ele achava que existia.

O combinado, por exemplo, não fazia menção a procurar escapatória ao sentimento nos braços de outro alguém. Mas, tentar fugir ao que se sente, já era por si o descombinar. 

O combinado, também, não disse ser impossível permitir apaixonar. Nem pensando em descombinar, já se viu assim.

O combinado já não sabia mais ser mais que descombinar. E cada descombinada, provocava a aproximação. Enquanto um prometia lucidez o outro apresentava liberdade. E a liberdade sempre viera acompanhada de todo o amor e carinho que se pode guardar.

O verbo descombinar, era primeiro em tudo.
E no primeiro "eu te amo", era a liberdade a descombinar.

No primeiro "vem à minha casa", mais uma vez brincava com o combinado. No primeiro "sou tua" e "sou teu", passeava entre os arrepios e suspiros sem nada combinar. Muito antes de descombinar no Poema por Dia com "a Artéria" ou "a Realeza" e tantos outros até culminar em "a Cela".




Muito antes de descombinar a troca de Rádio Rock por Jovem Pan, Santo André, Skol Beats e quarto de hotel. Muito antes de descombinar planos pro futuro, choros e alegrias compartilhadas e saudades na madrugada. Antes de descombinar e transformar os corpos e as ideias em uma só, o combinado já estava fadado a se entregar.

O combinado, o de verdade, veio sem combinar.

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