quinta-feira, 31 de maio de 2012

Vinte e Poucos Anos (XXVIII) - A 1ª Ida 2/3 [Conto]


[Conto]
PESSOA...

A Primeira Ida

(O Mundo Finalmente Parou)


Poucas vezes ele teve tanta certeza do que viu.

Ela descia a inclinada e calma Rua Tapajós... Via refinada como tantas outras em São Caetano do Sul. Os passos sinuosos e cadenciados, os cabelos esvoaçantes roubando o hipnotismo das sombras. A mão mexendo na franja, o ar ousado e curioso. Não dava pra ouvir um tracejo da voz sequer, ou mesmo os passos... Ainda estava muito longe pra identificar pelos sons e a escuridão saboreava cada detalhe da sua beleza; escondendo-a por alguns segundos. Mas ainda assim, o mocinho atravessou a rua e ficou do mesmo lado em que a moça descia, mesmo sem nunca antes tê-la visto em carne e osso.
A luz devolveu todas as cores dela ao mundo e ele finalmente a viu e andou fascinado em sua direção. A tensão crescia. De longe os olhares já haviam se consumado e estavam se consumindo. E por falar em devorar, todos os traços e detalhes da garota já estavam sendo sugados e aspirados.

Lembrou-lhe o primeiro diálogo que travaram no MSN: me perdoe a ousadia, mas você é muito linda.

Realmente. Muito bela.

Uma blusa clara, folgada e outra peça por dentro...(?), short preto, sandália azul... Verde... Que cor seria aquela? pensava enquanto o desejo de finalmente envolve-la em seus braços multiplicava. Ela veio com um ar matreiro e adolescente. As curvas do corpo tão bem desenhado, a presença magnética e o olhar... O olhar denunciava o quanto poderia tomar posse e controle de qualquer situação. Os sons do mundo sumiram. Os sorrisos foram tomando forma. Mesmo de longe a sintonia já havia sido estabelecida... E de repente a conexão sofreu uma breve interferência por uma ligação de celular.

A mão dela estendida e espalmada fazendo o sinal clássico de espera aí... fez o estômago ficar frio. Um pensamento o fez lembrar qual a causa do frio na barriga. Neerrd! ecoou em sua mente uma fala doce e provocadora que sua implicante favorita usava sempre que ele escapava com cultura inútil.

— “Vou sim... Calma! Tou aqui, já!”

Ouvir a voz dela cara a cara, ao vivo... Mesmo que indiretamente, duplicou as batidas do coração dele. Mãos nos bolsos – essa já era uma das atitudes padrão para quando ficava realmente sem saber o que fazer –. Sempre voltava o olhar, experimentando a sensação de apreciar cada detalhe, assim como um admirador em um vernissage. Os olhares deles não conseguiam ser furtivos e se encontravam. Desse choque químico nascia instantaneamente um sorriso no rosto dos dois.

Ela terminou a ligação. E depois não houve oi, nem e aí, nem boa noite. Como ele descreveria em outros tempos: não houve linguagem fática.

Eles cruzaram os poucos metros que os separavam. E se abraçaram.

E o mundo que já havia silenciado agora girava em câmera lenta para que eles se sentissem. Forte, quente, acolhedor. Respiração nos ouvidos, braços enlaçando e puxando pra si, envolvendo-os um no outro; quase os misturando. Não sabem quanto tempo durou aquilo, mas foi tempo o suficiente para sentirem a falta imediatamente assim que se soltaram.

Conversaram e o carioca (adotado por Pernambuco) fez questão de brincar com a falta de senso de direção dela; pra não ficar por baixo a paulista criticou a capacidade dele em dar uma informação simples como um endereço – sempre gostaram de implicar um com o outro –. Entraram a direita no cruzamento da Rua Tapajós com a Avenida Goiás e caminharam cerca de 200 metros enquanto conversavam até o Hotel.

A nativa – que sentia frio – disse que queria sair e nem permitiu que ele tomasse uma ducha ou trocasse de roupas. Mesmo assim o estrangeiro – que morria de calor – quis entrar para pegar a documentação, carteira e coisas do tipo. Antes de entrar, ela fez questão de puxar a camisa dele de dentro da calça dele e disse: 

— “Pronto! Bem melhor assim. Coisa mais feia!”. Ao ver-se desensacado ele riu e aliviado admitiu: 

— “Ainda bem! Não aguentava mais estar tão comportado”.

Os bons modos a fizeram recusar o convite para entrar no apartamento (mesmo que fosse pra arrumar-se e utilizar o banheiro – uma boa pitada de ingenuidade ou de machismo – o fez não entender bem os motivos), mesmo assim ele insistiu e ela o esperou no hall de entrada. Ao sair deixou-se levar pela bela guia. E, proativa, o inquiriu de todas as formas sobre tudo o que gostaria de fazer. 

E andava e mudava de direção e falava e sorria. E o bombardeava de energia. E ele aspirava, inspirava e respirava cada minúcia. Com pequenos toques cuidava dela em travessias de rua, quando achava que as pessoas que se aproximavam eram estranhas, quando estavam a sós... Pararam em um ponto de ônibus na Avenida Industrial. Os dois juntos e somente eles. Sentaram-se e continuaram a conversar. Percebia-se ali havia uma represa de intenções – queriam falar muito mais do que falavam, mas deixam os olhos mostrarem tudo o que sentiam e a boca apenas filtrar as pequenas coisas – e isso fazia uma tensão agradável e ansiosa no ar.

— “Cara! Você é muito tranquilo!”, ela disse com um sorriso honesto.

— “Nem tanto! É que estou hipnotizado com tudo.” ele rebateu com o olhar retumbando alegria.

Aproveitando o ensejo, o geminiano perguntou Cadê sua tatuagem?, Como boa leonina, puxou de lado o cabelo e deixou a nuca amostra dizendo Aqui, ó!. Linda!, pensou. Não conseguindo ver arte por completo por conta de uma blusa (top ou qualquer coisa dessas que as meninas usam por baixo de blusas folgadas), ele suavemente acariciou com a mão direita a tatuagem na parte de trás do pescoço dela sentindo a textura, depois puxou levemente para baixo a peça de roupa que o impedia de contemplar por completo o objeto de seu desejo. E então, viu os pelos da nuca dela se arrepiarem. Percorreu com o olhar e observou também o braço totalmente eriçado. 

— “Que frio, né?” disse ela esfregando o próprio braço.

Ele se recompôs e disse: 

— “É, mas não me incomoda! Sou calorento.”

— “Viu? Eu não sou fake.” continuou a garotinha com um alt+tab (expressão que usavam para mencionar mudança de assunto).

— “Não é mesmo.” concordou o garotinho percebendo o artifício usado.

E riram juntos.

Logo, um ônibus chegou.

E saíram. Foram até o centro de Santo André, e andaram juntos, e conversaram sobre tudo, e sobre nada. Andaram avenidas e ruas, foram ao shopping e em tantos outros lugares. Ele sentindo a magnificência paulistana em todos os lugares. E totalmente magnetizado por ela.

Haviam combinado com um grande amigo dela (o rapaz do telefonema) de irem à casa dele e saírem todos mais tarde para uma balada – e o ponto de partida seria por lá –. Por mais moleca que ela parecesse, sugeriu seguirem pra honrar o horário e assim fazer aquilo que não pôde mais cedo: vestir-se como a noite (e ela) merecia. Em tempo, chegaram ao endereço marcado.

Desde que chegara em São Paulo – e diferente do que todos a rotulam –, o semitímido moço vindo de Pernambuco foi super bem recepcionado. Ouvir mil vezes pode se sentir em casa! tornava difícil a prática do contrário. Disse infindáveis oi para um monte de gente. Sentiu-se bem confortável, apesar de ser um estranho no ninho. Comeram chocolate, batatas e salsichas fritas e, para esquentar as orelhas, vinho tinto. Sorriram bastante e o hóspede momentâneo achou perfeito como o lugar era simples e a forma que era tratado também com simplicidade.

O sumiço dela não pode ter sido considerado como imperceptível, mas o seu retorno foi impactante: blusa preta (decote?), calça colada, salto, a cor dos olhos ressaltada pela maquiagem (Ah... Esses olhos de ressaca!). A respiração dele ficou entrecortada e tentou disfarçar o fascínio que sentia. A irmã do anfitrião da casa também apareceu e ele descobriu que iriam sair em cinco, assim que o namorado da recém-chegada aparecesse.

Quantos érres estrangulados! Asfixiadores eles! pensou com um ar de riso o dono dos erres exaustores de fôlego ao ouvir todos conversando. Aliás, nesse momento fez-se mais ouvinte que falante. Não demorou muito e o grupo descia de carro ao encontro do quinto elemento – também foi rápida a junção dele – sorridente e ressaltado dançarino pela namorada. Esta, ainda estava indecisa sobre qual salto usar: vermelho ou preto?

— “Preto!”, disse em uníssono o casal em intenções recém-descoberto horas atrás em São Caetano do Sul.

Logo, haviam cinco jovens num carro branco seguindo em direção à noite paulistana.

Agora, amigo também do aspirante a baladeiro carioca-recifense-paulistano, o hospitaleiro andreense que antes trajava um estiloso look noitada country, havia trocado pra uma simples camisa polo. Isso não passou despercebido ao indiscreto viajante. Foda, isso! Ele colocou uma camisa polo pra que eu não ficasse deslocado!, comentou. Além disso, permitir que uma caneca de vinho fosse levada no passeio (juntamente com a garrafa) o fez sentir-se mais integrado que antes. 

Destino: Pousada dos Pescadores, em São Bernardo do Campo – como diria a menina dos olhos de ressaca (É! Como os da enigmática Capitu): Fica no c* do mundo. Um Pit Stop básico num supermercado para comprar algo que esquente o sangue e o sono batendo à porta de quem passou cinco horas de voo.

Ela, sempre o motivando. Todos sempre divertidos, sempre sorrindo de algo. Saíram do estabelecimento quase no outro dia (e acabaram por não levarem nada) e pegaram as largas vias em direção à Pousada. Atravessaram viadutos e cruzamentos – e como acontecera na viagem de vinda do Recife, ele na janela observava o mundo lá fora, impressionado.

O quinto elemento dirigia, e ao seu lado estava irmã anfitriã (decidida agora pelo salto da cor preta). Atrás os três amigos dividiam o assento: ela entre eles – e o mundo do lado de fora da janela traseira esquerda do Gol branco já não era tão atrativo quanto o som da voz dela ao cantar, a sorrir e a falar... Fisgado pela presença dela era assim que se sentia. Numa dessas explosões de energia ela lhe fez a graça de derramar todo o vinho da caneca emprestada na própria calça. E rindo olhando enternecidamente para ele, pediu desculpas. Esse olhar que se cruzou e fugiu, logo que os sons começaram a abafar novamente.

O veículo seguiu por um lugar que se assemelhava a uma serra. E incrivelmente, um engarrafamento. São Paulo é São Paulo!, pensou. Recebeu um Acho que tem alguma atração famosa por lá, vamos pro Estância. como resposta aos pensamentos. Estância, Pousada... Esquentar na rua. A essa altura a diversão dentro do carro já era muito boa e, expectativas à parte, ele estava muito feliz. 

Músicas proviam do celular na mão da garota que o motivara a estar ali (e que implicava com o próprio cabelo). Os integrantes do carro eram o coral afinado. Ela escolhe a música e a roqueira Pitty começa a reproduzir a voz dentro do carro.

Eu sei que lá no fundo/ Há tanta beleza no mundo/ Eu só queria enxergar... Um cutucão e um olhar específico e a face dele esquentou; Ela tá me provocando...!, refletiu surpreso. ... As tardes de domingo/ O dia me sorrindo/ Eu só queria enxergar... Ela seguia misturando sua voz com a da cantora baiana. ... Qualquer coisa pra domar/ O peito em fogo/ Algo pra justificar/ Uma vida morna... E ele já não conseguia mais desviar o olhar e quando veio o refrão; cantaram juntos: O mundo acaba hoje e eu estarei dançando/ O mundo acaba hoje e eu estarei dançando/ O mundo acaba hoje e eu estarei dançando com você... e no ritmo da música ela chegou tão perto, os lábios tão próximos que ele pode sentir o hálito suave, morno... Pôde sentir na sua própria boca o sabor dos lábios dela. Os olhos encadeados um no outro, a respiração quente fazendo duvidar que houvesse algum frio lá fora, o tempo parando, parando... De repente ela se refaz e ele, atordoado, coça a nuca e olha de volta através da janela pra o universo escuro e frio que atravessavam.

Talvez menos de um segundo tenha se passado nesse momento, mas eles sabiam que foi tempo suficiente para que o que não aconteceu dentro daquele carro sucedesse na mente deles: um beijo arrebatador.

Eles decidiram ver qual era a da Pousada e seguiram em frente. Apesar do trânsito lento chegaram rápido. O engarrafamento se deu simplesmente porque era um sábado em que o lugar estava bombando.

Estacionaram o carro e foram em direção à construção rústica e estilizada – tudo era country inclusive a música –. Permearam a multidão de jovens sedentos por diversão. Esquecendo completamente as funções e obrigações da semana e se jogando ao som da música sertaneja. Botas e chapéus de rodeio aqui e ali. Sorrisos e barulho. O espaço interno imenso e acolhedor, palco e bailão. Logo, já haviam comprado caipirinhas (derivadas) e encontrado um lugar pra ficar. A música os capturou e todos, mesmo os que faziam timidamente, foram tragados pelo clima.

Ela já havia dançado sozinha, com os outros meninos do grupo e até ensaiado uns passinhos com a namorada do quinto elemento (agora decidida pelo salto preto). Ele tentou acompanhar todos os passos e se deixou ficar leve. Disse mil vezes ao seu companheiro de camisa pólo esquece o mundo que a vergonha passa!.

— “Quer dançar?” perguntou a empolgada e encantadora dona do coração daquele forasteiro.

— “Não sei dançar, mas quero sim!” falou o visitante que já direcionava todos os sentidos para todos os gestos dela.

Aproximaram-se, braços novamente no corpo um do outro... Cadência, balanço. Ele fez o possível para acompanhá-la e não foi difícil: estavam em sintonia. Rindo a moça criticou:

— “Me enganou, hein? Cê sabe dançar sim, ó!”.

— “Aprendi agora! Só tou acompanhando você...” e enquanto dizia isso, procurava os olhos dela. Sorriam, e estavam suados. Sentiam o corpo quente e o perfume um do outro.

Não sabiam dizer se a música realmente havia terminado ou se deveriam parar, mas pararam de dançar. A festa continuava, um pouco mais de cerveja, alguns petiscos, caipirinhas... Alegria misturada. Cadê aquele cansaço?.

Como bom jornalista em formação, foi destacando tudo o que havia acontecido com ele durante a viagem e até o presente momento – guardando tudo em nota num aplicativo do seu celular. Ao perceber que o seu pernambucarioca estava distraído ralhou:

— “Deixa esse celular! Tá mandando mensagem pra quem?”.

— “Ninguém. Tou só anotando umas coisas...”, replicou.

— “Mentira isso, né?”, falou incrédula.

— “Quer ver?” indagou oferecendo o aparelho a ela.

— “Meu Deeeus! Mania de jornalista, mesmo!”, brincou ela enquanto começava a ler tudo o que ele havia arquivado.

Todas as sensações e percepções estavam ali. Tudo o que havia compreendido, pensado e passado desde que saíra do Aeroporto Internacional dos Guararapes no Recife. E também o que sentia por ela reforçado por mais uma noite juntos; e agora juntos de verdade. Ele não deixou de apreciar o efeito que a descoberta fez as expressões dela. Um ar feliz e gostoso se fez em volta do seu rosto. Era uma invasão de privacidade permitida. Ela sorria em silêncio. Ele também – e sentiu que, se não fosse da cor do chocolate, teria enrubescido –. Devolveu-lhe o celular. Ele aproximou-se e disse: 

— “Não diz nada! Não critica e não reclama... Nem precisa falar nada. Só ouve: Eu amo você! Estou totalmente apaixonado por você!”.

Ela obediente, só o olhou sorrindo.

A festa rodou até não suportarem mais. E em decisão unânime foram embora. O combinado era levá-lo de volta ao hotel (mesmo que nunca o encontrassem, pois perdidos, andavam em círculos a procura do estabelecimento). No caminho, ela perguntou se poderia entrar e usar o apartamento para ir ao banheiro. Ele concordou.

Finalmente, encontraram o endereço. Desceram os dois protagonistas da noite. Subiram as escadas e ele abriu a porta. Ela pediu/ordenou Fica aqui fora, tá!?. Ele aderiu dizendo Tudo bem! Pode ficar tranquila!.

Pensativo e com o coração a mil, deu alguns passos e encostou-se na parede oposta à sua porta (e uns três metros em direção à saída). Olhando para seu quarto pensou: os corredores desses edifícios são macabros. Trinta segundos foram todo o tempo levado por ela, mas para ele pareciam eternos lá fora. Ouviu os passos dela antes que aparecesse na porta.

Ela o olhou, os olhos diferenciados; cálidos, famintos. Andou com firmeza na direção dele, empurrou-o contra a parede e antes que pudessem raciocinar estavam misturados um no outro. Intensos, fervendo, Respiração forte, braços apertando, mãos sentindo um ao outro; emaranhados. Os lábios em chamas eram consumidos por mordidas e beijos ardentes deformando o cenário ao redor.


E mesmo que por alguns minutos... O mundo finalmente parou.







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