sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Era Um Garoto (V) - Qual é mesmo a minha cor?

A viagem de não ser nêgo, por não praticar as ideologias certas


Nunca senti o racismo. Não do jeito que alguns promulgam sentir, sabe? E antes que enlouqueçam, não falo de modo abrangente (em relação à sociedade), falo de mim. Sentir na minha pele. 
Vivo dizendo que esqueço a cor que possuo e é verdade. “Como pode?” Ué! É simples: é só não ser uma prioridade – aí você nem pensa. Às vezes tou na frente do espelho curtindo o que vejo e percebo minha cor (achando-a bem bonita e temperada). É o de menos. Ao menos, pra mim.
 
Mas daí vem os revezes. Por quê? Ah, sei lá! Parece que 1) as pessoas não se conformam se você não se encaixa num rótulo; 2) parece que elas (as pessoas) se incomodam pelo fato de você não ter se fodido sido agredido por uma coisa que muitos dos seus “iguais” afirmam que acontece com eles; 3) os seus “iguais” ativistas te agridem por você não ter uma consciência étnica “obrigatória” e por ter sua cultura assassinada por aquela vendida por países de origem europeia e nosso rico primo norteamericano.

Só que ao bem da verdade, não é por não ser rechaçado simplesmente por ter um tom de pele mais escuro que eu devo simplesmente dar uma de Poliana (da síndrome) e fingir que nada acontece. E não, não é um texto
Ah! O Racismo não existe! Isso é mania de perseguição de neguinho. Essa crítica aí no parágrafo acima tá mais pra um Porra, eu não sofro da Síndrome de Estocolmo! Só prefiro Nirvana e All Star e não Olodum e Abadá!.

O caso da Maju (a jornalista garota do tempo do Jornal Nacional – Rede Globo) ainda me incomoda. Não vou repetir o que houve; todos já devem saber – e se não souberem, só pesquisar rapidinho que encontram –, mas vou só resumir: racismo acompanhado de machismo.

Eu canso, e canso demais, toda vez que tenho que entrar numa discussão sobre comportamento social vigente versus comportamento social ideal. O foda cansativo é o velho meninos contra meninas, bonito contra feios, altos contra baixos, ricos contra pobres, brancos contra negros, sudeste contra nordeste, inteligentes contra ignorantes, heterossexuais contra qualquer outra orientação sexual,
et cetera.
 
É a velha briga de quem está mais certo. Caceta! Ninguém é melhor do que ninguém. Todos são seres humanos. Sem culpa da condição social que veio ao mundo, sem inferioridade por ser de um gênero ou de outro, sem deméritos pela etnia, sem defeito por ter uma identidade sexual diferenciada. A minha visão utópica remete ao reconhecimento da igualdade do ser. E o que vejo é fanatismo desmedido, desproporcional. A criatura (o homem) é muito menos importante do que suas criações (coisas e comportamentos desenvolvidos pelo homem e que o dominaram com o passar dos tempos). É uma frase que inferi em cima de uma ideologia? É. Amai ao próximo como a ti mesmo. Imagino que os homens se odeiam demais ao encararem sua imagem em frente ao espelho.

Todo tipo de injustiça me incomoda. A vida é mais fácil para o carinha branco, heterossexual, que nasceu em berço de ouro. A vida é dura para a negrinha, homossexual, que nasceu na favela. Sei disso.

Dinheiro ainda manda. Aparência e status, também. Estigma social ainda manda. Machismo e preconceito, também. E uma porrada de postura escrota sem noção que as pessoas continuam tomando ainda fodem atrasam tudo.

Não sinto o racismo. Não do jeito que muitos promulgam sentir. E não do jeito que muitos sentem. Às vezes penso que se talvez eu tivesse sofrido por ser negro, minha postura fosse diferente. Sofrido diretamente, explicitamente, escancaradamente. Eu sei dos números. Entendo um pouco de sociologia e conheço um cadinho de nada de História. Além disso, leio e vejo filmes e documentários. E ainda mais, testemunho uma coisa aqui, outra ali. Só não concordo que para ser negro preciso ir dançar candomblé e curtir tudo da cultura afro obrigatoriamente. É como se fosse um pecado mortal não ser do movimento Black e não representar a cultura negra do jeito certo.

Me é tão indigesto olhar em volta e perceber que no país mais plural e miscigenado do mundo ainda há os que querem provar que cultura xis é melhor que cultura ípsilon, quando TODOS são brasileiros. Ninguendade* é o termo que nos cabe e nos transborda. Se virmos alguém com traços orientais e ele disser sou brasileiro acreditamos. Se um negro com seus 2 metros de altura dissesse sou japonês, não acreditaríamos nem fodendo facilmente. (*assista ao documentário inteiro, vale a pena)

Fruto da nossa unimultiplicidade [referência ao Tom Zé, aqui] (e lógico, um pouco de preconceito); é uma maneira inconsciente de entendermos que somos um país que nos primórdios já praticava os meios mais rústicos da globalização. 
Tudo para termos a mente mais fodástica do mundo e a maior representação e aceitação cultural possível... E ainda tem as briguinhas imbecis de mesa de bar sobre que time é melhor. Aí depois se uniformizam, formam tribos e matam pessoas por simplesmente não torcerem pro mesmo time. É, isso foi uma metáfora.

Vivo dizendo que esqueço a cor que possuo e é verdade, mas imagino que sou julgado por isso – tanto por esquecer, quanto por ser. Também digo que não sei dirigir e que carros não me atraem, mas imagino que sou julgado por isso – tanto por não ter, quanto por não saber. Falo que milhões de dólares e status social não me apetecem os brios, mas imagino que sou julgado por isso – tanto por não desejar, quanto por não possuir. Enfim, exponho minhas características e ambições mais honestas e sei que sou avaliado pelos dois lados da balança, sendo recriminado por ambos.

No final das contas, vivo conforme as coisas que me dão leveza e que me fazem feliz ou fico travado na vida, simulando a bola num jogo de tênis. E, sim, existe o racismo. Mas, ainda continuo não lembrando a cor que possuo, só quando paro em frente ao espelho e me dou conta e penso: que fodástico!

Nenhum comentário:

Postar um comentário