sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

Crônicas do Frio II (25) - Os Sinos

Absolvição


Brisas cálidas trazem dos ombros as finas alças, magnetizando o relevo macio por onde escorregam e descarregam ondas elétricas de cima a baixo. A dança segue até onde a sinuosidade insinuante do corpo limita os movimentos do tecido. Os olhos sugam o desejo um do outro e sem demora, se devoram. As bocas roçam e resvalam, as línguas fluem e confluem, molham-se no interior um do outro e voltam para umedecer o desenho dos lábios e mordem com vontade cada parte tenra. As roupas se tornam caricaturas sem propósito agregadas à estrutura. As mãos dele passeiam pelas costas imprimindo a pressão necessária e tomando-a para si sem sufocá-la. E os braços seguem sentidos diferentes, direito ao norte, esquerdo ao sul, simultaneamente, arrancando grunhidos e provocando abocanhadas durante aquele beijo afogado. Conquista pescoço e nuca, os cabelos dela preenchem os vãos entre os dedos. Toma cintura e nádega, o corpo dela tão próximo que o coração de ambos é um carnaval. Pressão em norte e sul. Gemido descontrolado. As mãos dela procuram descontroladamente onde se aprisionar. Puxa-o com o corpo para trás, trazendo-o consigo, joga a pelve para frente sentindo-o. Crava as garras nas costas e a cada movimento um choque de suor por todos os poros. Abandonados ao banco do carona do Impala 1967 geram energia. Um terremoto compassado se inicia. Membros superiores se confundem numa caótica necessidade de arrancar a fantasia para o mundo. Não mais camisa de flanela e jeans; não mais vestido branco e lingerie. Um nevoeiro de desejo esconde o cenário despudorado dentro do veículo, não fosse o ritmo cadenciado nada se desconfiaria. Frequência aumenta e eleva o volume, retumbes ininterruptos, fortes e desenfreados, seios engolidos, teto rasgado, abdome suado, colo em impacto, membros que se arrastam, dor, prazer, perdidos em si e nos segundos de renúncia a tudo, largando a vida e a morte num vórtex de volúpia e deleite profundo.

O abalo sísmico cessa.
As badaladas se iniciam. Prometem as quatro de sempre.

― Ainda não te entendo, Elisa. ― A imensa estrutura gótica lá fora retumbava quase silenciando-o.

― Não há o que entender, Marco. ― respondia, enquanto vestia-se.

― O casamento é amanhã. Todos precisam saber. Eu mereço sair dessa prisão. Eu já amo você!

― Para! Isso de novo? Combinamos a meses, Marco. Vou casar amanhã, às 20h. Era uma questão de incapacidade dele, eu resolvi e o senhor aceitou.

― Mas por que quis continuar? Fazemos isso toda a semana! Há meses. Não havia necessidade.

Ela olha para o pátio da igreja e, com o ar triunfante, diz:

― Amanhã, sairei daqui deixando o inferno para trás. Cada Ave-Maria e Pai-Nosso rezei em você, Padre. Me case com o Paulo, como combinado.

Ela faz o clérigo descer do carro, perplexo.
O motor ronca, a esperança se vai.
O homem fica, a fé esvai.

J. Gonçalves (25/12/2015)

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Sino da Salvação


Ela corre
Tá quase na hora
O coração pela boca
do estômago

Essas horas em que a morte nos sonda com sua foice
Fazem parte do tempo em que nos enxergamos crias
Cobertas de temores

Os suores percorrem
O delinear dos omoplatas
Escorregam entre os seios
e inundam o umbigo

As fiordes ameaçam adentrar
Seus anseios pela boca
Bolsa lacrimal
e anseios

Essas horas em que a sorte nos estala no coro o açoite
Fazem parte da chance que levam suplicas às nossas vias
Repletas de fervores

Chega a tempo e solta todo o fôlego
olha o relógio
e os sinos
gritam
Corre pelo escuro beco, alterna a
velocidade entre um badalo
e outro
Foice na nuca, alma nos pés
décimo primeiro grito
chaves nas mãos
Alcança a luz do fim do túnel
corpo em conflito
avista a porta
Corre pela vida e
o espírito
aflito
Abre e trancafia a madeira
respira fundo e num
riso de alívio:
Terça-feira já foi
Deus me ajude a
não encontrar o
meu destino na
viela morta

[...]

Porque no final das
contas a culpa é
sempre nossa

#PHpoemaday

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