Vitae
Fora um golpe perfeito. Lindo, limpo e sem precedentes. Atingiu-o em cheio no peito e inundou seu estômago de uma ânsia profunda.
Força alguma seria capaz de arremessa-lo num canto como agora. Calafrios elétricos percorrem cada centímetro de sua epiderme. Cada poro desesperando ser lavado e os suores atendendo ao pedido. Sua cerne invadida de uma fraqueza indescritível já abandona as esperanças.
Lágrimas vertem ao perceber que tudo está por um fio – aquele fio que o trespassara –. Tão novo, ainda tão garoto, retumbava a voz dos antigos: a batalha não permite pequenas falhas. Falhara. As pernas já sem resistência, derramadas sobre o chão frio de cimento temperado. Reputação entrecortada por soluços. Respiração ameaçada por vultos.
Então, no embaralhado do profundo oceano dos seus olhos, as primeiras gotas chovem de seu corpo. As mãos ainda grudadas ao colo, observa incrédulo: jorra vida do seu seio. Fascinado, percebe aquela cor tão única, sua, particular. Ambas as palmas lavadas de si mesmo; sente um prazer perpétuo. Não sabe mais se é, respira ou se existe. Sente que não é mais único; é o todo e a enchente que flui de seu ferimento – antes de morte – como queda d'água, colore o mundo com suas cores quentes. O aroma, não mais férreo, enche seus pulmões de ternura. A lâmina cravada no seu ser é absorvida. Se deixa arrastar pela correnteza que seu âmago formara.
Encontra o cais em meio ao mar de sua criação. Aporta, com a glória dum guerreiro que pela primeira vez sente a vitória em seu nome.
Num epitáfio para nova vida ele escreve, insone:
Aqui jaz um menino, pois não há beleza maior que meu próprio sangue.
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