A Combustão (Castelo de Cartas) 1/2
– Ah! Foda-se!
E saiu cicloneando pela casa! Derrubando tudo que via pelo caminho até a porta, rumo à liberdade. Odiava com todas as forças não ter o respeito de um adulto e ao mesmo tempo em que perdia (gradativamente) os privilégios em ser criança. É a maldição da idade. Esvaziou a casa da sua presença e caminhou em passos firmes, apontando o nariz para o horizonte. Não fazia mais sentido o quê de toda a discussão, mas tinha uma convicção: eles não tinham culpa. Estava em combustão. Bem o sabia e deixava o instinto guiar seu corpo até a fonte.
* * *
“Se eu tivesse tesão em você... faria você rastejar até meus pés, agora.”.
“Se eu tivesse tesão em você... rastejaria e beijaria-os escalando com a boca devagar pela sua perna, enquanto minha mão acariciaria a parte interna de suas coxas.”.
“Se eu tivesse tesão em você... Escorregaria minha mão pelos seus cabelos e prenderia-os entre os dedos sempre que eu quisesse te impedir de prosseguir ou te mostrar aonde ir.”.
“Se eu tivesse tesão em você... Morderia suavemente o lugar onde guiasse meu rosto e não tiraria os olhos dos teus.”.
“Se eu tivesse tesão em você... Faria-o arrancar a minha calcinha com os dentes.”.
“Se eu tivesse tesão em você... O faria e te deixaria com a camiseta, porque te acharia mais sexy.”.
“Se eu tivesse tesão em você... O puxaria até minha boca para arrancar seu fôlego e sussurraria para ser tocada como nunca antes.”.
“Se eu tivesse tesão em você... Comeria sua língua em fogo. Faminto, fingindo querer arrancar cada pedaço que meus lábios tocassem”.
“Se eu tivesse tesão em você... Arrancaria sua roupa sem cerimônia, e deslizaria com a boca semiaberta os dentes pelo teu peito e abdome”.
“Se eu tivesse tesão em você... Envolveria teus cabelos na minha mão e traria tua boca de volta pra matar minha fome e ao mesmo tempo envolveria totalmente no meu abraço”.
“Se eu tivesse tesão em você... Gemeria no seu ouvido: me faz sussurrar nesse quarto escuro.”.
“Se eu tivesse tesão em você... Te tocaria não como pedirias, mas como merecerias... Até sentir você derreter. ”.
“Se eu tivesse tesão em você... Diria coisas impróprias. E me descontrolaria. Gritaria alto. E pediria mais de você”.
“Se eu tivesse tesão em você... Lamberia cada parte intumescida, arrepiada e convidativa do teu corpo.”.
“Se eu tivesse tesão em você... Adoraria cada segundo de tudo isso, mas ainda gostaria de mais, mais.”.
“Se eu tivesse tesão em você... Te possuiria do jeito que está. Sentada na beirada desta cama. Tornaria você mulher. Faria você se descontrolar. A sentiria e a faria me sentir inteiro.”.
“Se eu tivesse tesão em você... Se eu tivesse tesão em você... Não consigo pensar, mais... Tenho tesão em você”.
* * *
O fogaréu ainda não baixava. Fazia semanas.
– O que acontece com a nossa pequena Maggie? – Edmond procurava motivos no quarto da filha entre os desenhos e textos rabiscados nas folhas espalhadas pelo chão.
– Não a chame assim, Ed. Você sabe que ela não gosta mais. – Susana, observava o marido remexer nos objetos de Marjorie com uma mistura de preocupação e solidariedade – mais por ele do que pela filha.
Novos, quando ainda eram Eddy e Susy um para o outro, sopraram vida aos olhos da "princesinha de olhos castanhos". Tudo revolucionou. Edmond, antes vocalista de uma banda de rock de garagem, agora advogado antitruste num dos mais conceituados grupos do país, possuía escritório que levava seu sobrenome para ajudar os injustiçados pelo sistema. Cobrava um quasenada, mas se sentia feliz – idealizava abrandar o incêndio que às vezes causava na outra ponta da corda. Susana, um dia sonhou em viajar o mundo pela arqueologia, mas mudou totalmente o rumo e estabeleceu o prumo como psicoterapeuta e quase um arauto de Freud. Imaginava o que acontecia com sua Marjorie – já não tão pequena. Via olhos, bocas e mãos (principalmente mãos) desenhados pelas paredes do quarto, seus textos tão densos, e onde Ed enxergava uma forma de expressar sua arte, Susana lia o cardápio de desejos incandescentes de sua filha.
Não gostava, mas aprendeu a se fazer de tola – como a maioria das mães – para não tirar a sensação de provedores-mor e mantenedores que os homens necessitam sentir ao se tornarem pais (sem o pseudopoder eles se ressentem, infelizmente, como homens menores; tão frágeis). Via e ouvia a história mil vezes em seu consultório. Amava demais ao marido, por isso lhe perdoava a cegueira.
– Sei do fundo da minha alma que ela não se droga.– Edmond falava com o olhar perdido procurando uma resposta – ela é inteligente e esses surtos... Jesus! O que faremos, Amor?
– Primeiro: vamos sair do quarto dela. Ela não perdoará esta invasão. Segundo: vamos esperar ela retornar. Lá embaixo, arrumamos toda a bagunça. Venha, tomamos um vinho depois. Que tal? – Perguntou sem esperar pela resposta e dirigindo-se para os aposentos inferiores; já era certo o comando da casa.
Ao descerem as escadas se entreolharam. As recentes crises da filha fizeram algo explodir nos dois. Foram contagiados pela combustão. Consumiram-se ali, mesmo.
* * *
Linda... Perfeita! Mignon! Olha o tamanho desses seios e tão firmes! Parece que sabe que eu fico olhando. Uma camisa de flanela vermelha e preta aberta e uma regata do Nirvana por baixo. E a cintura fininha, quadril... Olha essa bunda! Deu até febre. Fora que é inteligente, joga videogame, engraçada... E aqueles cabelos? Não sei dizer se são negros ou castanhos, não sei dizer se lisos ou ondulados... A franja que cai pela testa e o jeito como ela tira e põe atrás da orelha... O rosto clarinho e as bochechas, rosadas, com uma pitada de sardas. O nariz tão desenhadinho que parece que Deus gastou um dia da criação esculpindo-o... E derramou desejo naquela boca carnuda! E tão naturalmente vermelha... E quando molha os lábios... De...sse je...ito... Olhou pra cá! Ah! Esses olhos que por trás desses óculos me roubam de mim! Espera. Tá vindo aqui, será que me viu aqui da janela? Bem não a vi olhando pra cá pra cima... Cruzando o gramado... Vai tocar campainha! Nossa! Será que ela recebeu minha carta? Será que veio me dar o beijo que pedi? Ué... A campainha não tocou! Meu Deus! Acho que vou explodir... Vou descer.
Abre e fecha a porta atrás de si, vagarosamente...
Na tela do seu notebook os dados disponíveis LEONARD HEIL KELLER, 16 ANOS, NATURAL DE ONTÁRIO, CANADÁ preenchiam a solicitação de carteira de habilitação para condutores.
Pediu um carro ao pai. Disse que queria mostrar o quanto era digno de confiança. Na verdade sentia uma necessidade extrema de se sentir capaz de impressionar o coração de Marjorie. Deslizou uma carta de amor e volição em ebulição por entre as frestas da janela do quarto da amiga na noite anterior. Segundo andar, mas desde muito novo sabia o segredo do estrado de madeira oculto entre as folhas que decoravam as paredes da casa do seu objeto de desejo.
A amava desde que ambos, ela com 9 e ele com 7 anos brincavam “coisas de criança”. O amor ainda existia, mas agora era diferente. Não conseguia mais esconder seus sentimentos. Seu desejo estava além de seu controle. Confessou seu sentimento. E pediu o beijo que nunca foi real – só em pensamentos – a alma e corpo contaminados pela combustão.
* * *
Henry Keller estava na sala de estar e digitava o capítulo 26 do seu livro Relações Incandescentes. O romance narrava uma história que envolvia tudo que vendia bem. Ação, drama, romance, sexo (muito sexo), morte, sangue (muito sangue) e mais sexo. A inspiração não vinha. A editora pediu mais um livro. Era o sexto. “Sem tesão a arte não vale a pena” era o que sempre dizia. Mas os ossos do ofício o chamavam de volta à realidade. Órfão, virara pai na idade do filho (que, para desespero de Henry, decidiu ficar tão parecido com ele ao perder a mãe no parto), responsável por administrar a casa da tia (que se tornou tutora do sobrinho – monitorando a abastada herança deixada pelo irmão e cunhada falecidos num trágico acidente de automóvel), viu desde muito pequeno que possuía um talento especial para a literatura. Seu primeiro bestseller “Os Sussurros de Um Quarto Escuro” veio aos 17 anos. E como inspiração usou sua própria história. De quebra veio o primeiro processo. Uma ação movida pelos avós maternos de Leo, culpa da referência danosa à imagem (citados como “desnaturados filhos– da– puta”, por abandonarem a filha quando descobriram a gravidez). Mesmo assim, no aniversário de 01 ano de seu filho, já era milionário.
Sentado no sofá, Keller deu uma rápida olhada para o lance de escadas imaginando o que o filho estaria a fazer. Respirou fundo. Ignora mais uma chamada de celular de uma amiga e deixa cair na caixa postal. Estava bem só. Sem compromissos pensava melhor no que devia ser escrito. Ao pensar nisso, sua temperatura corporal subiu 1 grau. Agradecia ter conhecido a garota da casa 126. Marjorie acendera nele a fome por escrever novamente. Sempre a vira como uma menininha, entretanto um dia ela foi até seu escritório, adentrou sem bater a porta, afastou folhas e documentos, sentou na mesa e começou a fazer observações sobre todos os livros e como ela os teria escrito de uma forma mais atraente. Parou, no dia, encarando a ousadia em pessoa e pensou: ela está certa.
Aquele fogo humano reacendeu sua inspiração. Conversavam esporadicamente. “Ninguém poderia saber” ela dizia. Mas ele definiu há alguns meses citá-la como coautora.
A vira sempre como namoradinha do filho. Mas, percebeu que ela procurava algo que Leo não possuía – provavelmente por algum tempo: malícia. Ela conseguia ser mais devastadora do que o próprio Henry jamais teria sido... Sem ao menos citar pornografia ou mesmo um palavrãozinho sequer. Era o jeito como olhava por cima daqueles óculos depois que finalizava suas frases de efeito. Várias vezes, teve que se lembrar que tinha praticamente o dobro da idade da menina – mas havia de admitir: era talentosa.
Se arrependia de uma única coisa. Ter aderido a um jogo para que ela continuasse a inspirá- lo. O jogo era “se eu tivesse tesão em você...”. Se o absurdo dito pela outra pessoa não fosse igualado, uma conseqüência precisaria ser paga. Ideia dela. Descobriu a frase que costumava utilizar e a condicionou para algo entre os dois. Um segredo. Coisa de adolescente. Mas ele aderiu. Era um jogo motivador e o capítulo 5 pulou rapidamente para o 25. Na última semana havia perdido. O saldo seria ir até o quarto dela e pedir encarecidamente que continuasse a parceria. Às 03 horas da manhã. Quase desistiu, porém... Saiu na calada da noite. Escalou o estrado do lado externo da casa 126 (oculto pelas folhas). Deu dois passos felinos no telhado que rangeu baixinho. Janela aberta. Encontrou-a na cama. Sentada. Camiseta estilo boyfriend do Pearl Jam adaptada para as curvas do seu corpo. Coradíssima, mas com o olhar franco e decidido. Não deu um único sorriso. O quarto parecia o Inferno, mas a noite era fria. A adolescente indicou onde ele deveria estar – bem a sua frente – e pediu para que sentasse (no chão mesmo). Ele aceitou. Já era certo o comando do quarto. Sentou. Perna direita obedecendo a base da posição de lótus, a mão direita espalmada no chão atrás do corpo equilibrava a base. Perna esquerda apoiava com o joelho o braço esquerdo. Ela o fitava diretamente. Bonito. Era estranho ver pai e filho juntos. Henry parecia o irmão 2 anos mais velho. Cabelo castanho escuro e bagunçado, mas atraente. Rosto jovial, pele levemente bronzeada, traços e corpo definido pelos exercícios matinais, mas o olhar (de olhos negros como betume) era curiosamente tão honesto quanto o de uma criança; apesar da malícia existente por trás dele. Era homem feito. Inteligente. Dono de uma voz grave e ao mesmo tempo suave e uma dicção que fazia até transeuntes pararem para ouví-lo. Entreabrindo e entrefechando as coxas e revelando uma calcinha em lingerie da cor preta, Marjorie diz:
– Se eu tivesse tesão em você...
Em combustão, emerge do magma daquela lembrança. Percebeu a respiração forte e o coração acelerado. Antes de se dar conta de uma sombra, o perfume cítrico era inconfundível. Levantou os olhos. Marjorie a centímetros de distância, amassando um papel na mão esquerda.
– Marj... – Ele tenta uma indagação e é interrompido pela avalanche que foi trazida pela boca da garota. Explosão.
* * *
[cont.]
– Ah! Foda-se!
E saiu cicloneando pela casa! Derrubando tudo que via pelo caminho até a porta, rumo à liberdade. Odiava com todas as forças não ter o respeito de um adulto e ao mesmo tempo em que perdia (gradativamente) os privilégios em ser criança. É a maldição da idade. Esvaziou a casa da sua presença e caminhou em passos firmes, apontando o nariz para o horizonte. Não fazia mais sentido o quê de toda a discussão, mas tinha uma convicção: eles não tinham culpa. Estava em combustão. Bem o sabia e deixava o instinto guiar seu corpo até a fonte.
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“Se eu tivesse tesão em você... faria você rastejar até meus pés, agora.”.
“Se eu tivesse tesão em você... rastejaria e beijaria-os escalando com a boca devagar pela sua perna, enquanto minha mão acariciaria a parte interna de suas coxas.”.
“Se eu tivesse tesão em você... Escorregaria minha mão pelos seus cabelos e prenderia-os entre os dedos sempre que eu quisesse te impedir de prosseguir ou te mostrar aonde ir.”.
“Se eu tivesse tesão em você... Morderia suavemente o lugar onde guiasse meu rosto e não tiraria os olhos dos teus.”.
“Se eu tivesse tesão em você... Faria-o arrancar a minha calcinha com os dentes.”.
“Se eu tivesse tesão em você... O faria e te deixaria com a camiseta, porque te acharia mais sexy.”.
“Se eu tivesse tesão em você... O puxaria até minha boca para arrancar seu fôlego e sussurraria para ser tocada como nunca antes.”.
“Se eu tivesse tesão em você... Comeria sua língua em fogo. Faminto, fingindo querer arrancar cada pedaço que meus lábios tocassem”.
“Se eu tivesse tesão em você... Arrancaria sua roupa sem cerimônia, e deslizaria com a boca semiaberta os dentes pelo teu peito e abdome”.
“Se eu tivesse tesão em você... Envolveria teus cabelos na minha mão e traria tua boca de volta pra matar minha fome e ao mesmo tempo envolveria totalmente no meu abraço”.
“Se eu tivesse tesão em você... Gemeria no seu ouvido: me faz sussurrar nesse quarto escuro.”.
“Se eu tivesse tesão em você... Te tocaria não como pedirias, mas como merecerias... Até sentir você derreter. ”.
“Se eu tivesse tesão em você... Diria coisas impróprias. E me descontrolaria. Gritaria alto. E pediria mais de você”.
“Se eu tivesse tesão em você... Lamberia cada parte intumescida, arrepiada e convidativa do teu corpo.”.
“Se eu tivesse tesão em você... Adoraria cada segundo de tudo isso, mas ainda gostaria de mais, mais.”.
“Se eu tivesse tesão em você... Te possuiria do jeito que está. Sentada na beirada desta cama. Tornaria você mulher. Faria você se descontrolar. A sentiria e a faria me sentir inteiro.”.
“Se eu tivesse tesão em você... Se eu tivesse tesão em você... Não consigo pensar, mais... Tenho tesão em você”.
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O fogaréu ainda não baixava. Fazia semanas.
– O que acontece com a nossa pequena Maggie? – Edmond procurava motivos no quarto da filha entre os desenhos e textos rabiscados nas folhas espalhadas pelo chão.
– Não a chame assim, Ed. Você sabe que ela não gosta mais. – Susana, observava o marido remexer nos objetos de Marjorie com uma mistura de preocupação e solidariedade – mais por ele do que pela filha.
Novos, quando ainda eram Eddy e Susy um para o outro, sopraram vida aos olhos da "princesinha de olhos castanhos". Tudo revolucionou. Edmond, antes vocalista de uma banda de rock de garagem, agora advogado antitruste num dos mais conceituados grupos do país, possuía escritório que levava seu sobrenome para ajudar os injustiçados pelo sistema. Cobrava um quasenada, mas se sentia feliz – idealizava abrandar o incêndio que às vezes causava na outra ponta da corda. Susana, um dia sonhou em viajar o mundo pela arqueologia, mas mudou totalmente o rumo e estabeleceu o prumo como psicoterapeuta e quase um arauto de Freud. Imaginava o que acontecia com sua Marjorie – já não tão pequena. Via olhos, bocas e mãos (principalmente mãos) desenhados pelas paredes do quarto, seus textos tão densos, e onde Ed enxergava uma forma de expressar sua arte, Susana lia o cardápio de desejos incandescentes de sua filha.
Não gostava, mas aprendeu a se fazer de tola – como a maioria das mães – para não tirar a sensação de provedores-mor e mantenedores que os homens necessitam sentir ao se tornarem pais (sem o pseudopoder eles se ressentem, infelizmente, como homens menores; tão frágeis). Via e ouvia a história mil vezes em seu consultório. Amava demais ao marido, por isso lhe perdoava a cegueira.
– Sei do fundo da minha alma que ela não se droga.– Edmond falava com o olhar perdido procurando uma resposta – ela é inteligente e esses surtos... Jesus! O que faremos, Amor?
– Primeiro: vamos sair do quarto dela. Ela não perdoará esta invasão. Segundo: vamos esperar ela retornar. Lá embaixo, arrumamos toda a bagunça. Venha, tomamos um vinho depois. Que tal? – Perguntou sem esperar pela resposta e dirigindo-se para os aposentos inferiores; já era certo o comando da casa.
Ao descerem as escadas se entreolharam. As recentes crises da filha fizeram algo explodir nos dois. Foram contagiados pela combustão. Consumiram-se ali, mesmo.
* * *
Linda... Perfeita! Mignon! Olha o tamanho desses seios e tão firmes! Parece que sabe que eu fico olhando. Uma camisa de flanela vermelha e preta aberta e uma regata do Nirvana por baixo. E a cintura fininha, quadril... Olha essa bunda! Deu até febre. Fora que é inteligente, joga videogame, engraçada... E aqueles cabelos? Não sei dizer se são negros ou castanhos, não sei dizer se lisos ou ondulados... A franja que cai pela testa e o jeito como ela tira e põe atrás da orelha... O rosto clarinho e as bochechas, rosadas, com uma pitada de sardas. O nariz tão desenhadinho que parece que Deus gastou um dia da criação esculpindo-o... E derramou desejo naquela boca carnuda! E tão naturalmente vermelha... E quando molha os lábios... De...sse je...ito... Olhou pra cá! Ah! Esses olhos que por trás desses óculos me roubam de mim! Espera. Tá vindo aqui, será que me viu aqui da janela? Bem não a vi olhando pra cá pra cima... Cruzando o gramado... Vai tocar campainha! Nossa! Será que ela recebeu minha carta? Será que veio me dar o beijo que pedi? Ué... A campainha não tocou! Meu Deus! Acho que vou explodir... Vou descer.
Abre e fecha a porta atrás de si, vagarosamente...
Na tela do seu notebook os dados disponíveis LEONARD HEIL KELLER, 16 ANOS, NATURAL DE ONTÁRIO, CANADÁ preenchiam a solicitação de carteira de habilitação para condutores.
Pediu um carro ao pai. Disse que queria mostrar o quanto era digno de confiança. Na verdade sentia uma necessidade extrema de se sentir capaz de impressionar o coração de Marjorie. Deslizou uma carta de amor e volição em ebulição por entre as frestas da janela do quarto da amiga na noite anterior. Segundo andar, mas desde muito novo sabia o segredo do estrado de madeira oculto entre as folhas que decoravam as paredes da casa do seu objeto de desejo.
A amava desde que ambos, ela com 9 e ele com 7 anos brincavam “coisas de criança”. O amor ainda existia, mas agora era diferente. Não conseguia mais esconder seus sentimentos. Seu desejo estava além de seu controle. Confessou seu sentimento. E pediu o beijo que nunca foi real – só em pensamentos – a alma e corpo contaminados pela combustão.
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Henry Keller estava na sala de estar e digitava o capítulo 26 do seu livro Relações Incandescentes. O romance narrava uma história que envolvia tudo que vendia bem. Ação, drama, romance, sexo (muito sexo), morte, sangue (muito sangue) e mais sexo. A inspiração não vinha. A editora pediu mais um livro. Era o sexto. “Sem tesão a arte não vale a pena” era o que sempre dizia. Mas os ossos do ofício o chamavam de volta à realidade. Órfão, virara pai na idade do filho (que, para desespero de Henry, decidiu ficar tão parecido com ele ao perder a mãe no parto), responsável por administrar a casa da tia (que se tornou tutora do sobrinho – monitorando a abastada herança deixada pelo irmão e cunhada falecidos num trágico acidente de automóvel), viu desde muito pequeno que possuía um talento especial para a literatura. Seu primeiro bestseller “Os Sussurros de Um Quarto Escuro” veio aos 17 anos. E como inspiração usou sua própria história. De quebra veio o primeiro processo. Uma ação movida pelos avós maternos de Leo, culpa da referência danosa à imagem (citados como “desnaturados filhos– da– puta”, por abandonarem a filha quando descobriram a gravidez). Mesmo assim, no aniversário de 01 ano de seu filho, já era milionário.
Sentado no sofá, Keller deu uma rápida olhada para o lance de escadas imaginando o que o filho estaria a fazer. Respirou fundo. Ignora mais uma chamada de celular de uma amiga e deixa cair na caixa postal. Estava bem só. Sem compromissos pensava melhor no que devia ser escrito. Ao pensar nisso, sua temperatura corporal subiu 1 grau. Agradecia ter conhecido a garota da casa 126. Marjorie acendera nele a fome por escrever novamente. Sempre a vira como uma menininha, entretanto um dia ela foi até seu escritório, adentrou sem bater a porta, afastou folhas e documentos, sentou na mesa e começou a fazer observações sobre todos os livros e como ela os teria escrito de uma forma mais atraente. Parou, no dia, encarando a ousadia em pessoa e pensou: ela está certa.
Aquele fogo humano reacendeu sua inspiração. Conversavam esporadicamente. “Ninguém poderia saber” ela dizia. Mas ele definiu há alguns meses citá-la como coautora.
A vira sempre como namoradinha do filho. Mas, percebeu que ela procurava algo que Leo não possuía – provavelmente por algum tempo: malícia. Ela conseguia ser mais devastadora do que o próprio Henry jamais teria sido... Sem ao menos citar pornografia ou mesmo um palavrãozinho sequer. Era o jeito como olhava por cima daqueles óculos depois que finalizava suas frases de efeito. Várias vezes, teve que se lembrar que tinha praticamente o dobro da idade da menina – mas havia de admitir: era talentosa.
Se arrependia de uma única coisa. Ter aderido a um jogo para que ela continuasse a inspirá- lo. O jogo era “se eu tivesse tesão em você...”. Se o absurdo dito pela outra pessoa não fosse igualado, uma conseqüência precisaria ser paga. Ideia dela. Descobriu a frase que costumava utilizar e a condicionou para algo entre os dois. Um segredo. Coisa de adolescente. Mas ele aderiu. Era um jogo motivador e o capítulo 5 pulou rapidamente para o 25. Na última semana havia perdido. O saldo seria ir até o quarto dela e pedir encarecidamente que continuasse a parceria. Às 03 horas da manhã. Quase desistiu, porém... Saiu na calada da noite. Escalou o estrado do lado externo da casa 126 (oculto pelas folhas). Deu dois passos felinos no telhado que rangeu baixinho. Janela aberta. Encontrou-a na cama. Sentada. Camiseta estilo boyfriend do Pearl Jam adaptada para as curvas do seu corpo. Coradíssima, mas com o olhar franco e decidido. Não deu um único sorriso. O quarto parecia o Inferno, mas a noite era fria. A adolescente indicou onde ele deveria estar – bem a sua frente – e pediu para que sentasse (no chão mesmo). Ele aceitou. Já era certo o comando do quarto. Sentou. Perna direita obedecendo a base da posição de lótus, a mão direita espalmada no chão atrás do corpo equilibrava a base. Perna esquerda apoiava com o joelho o braço esquerdo. Ela o fitava diretamente. Bonito. Era estranho ver pai e filho juntos. Henry parecia o irmão 2 anos mais velho. Cabelo castanho escuro e bagunçado, mas atraente. Rosto jovial, pele levemente bronzeada, traços e corpo definido pelos exercícios matinais, mas o olhar (de olhos negros como betume) era curiosamente tão honesto quanto o de uma criança; apesar da malícia existente por trás dele. Era homem feito. Inteligente. Dono de uma voz grave e ao mesmo tempo suave e uma dicção que fazia até transeuntes pararem para ouví-lo. Entreabrindo e entrefechando as coxas e revelando uma calcinha em lingerie da cor preta, Marjorie diz:
– Se eu tivesse tesão em você...
Em combustão, emerge do magma daquela lembrança. Percebeu a respiração forte e o coração acelerado. Antes de se dar conta de uma sombra, o perfume cítrico era inconfundível. Levantou os olhos. Marjorie a centímetros de distância, amassando um papel na mão esquerda.
– Marj... – Ele tenta uma indagação e é interrompido pela avalanche que foi trazida pela boca da garota. Explosão.
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