A Pedra do Reino (O Deserto...)
Acordas. Acordado, percebes que tudo funciona como se noite
ainda e as luzes estivessem apagadas. Imaginas as pupilas dos seus olhos
dilatadas. Começas a caminhar e teus passos ecoam. Há atmosfera. Sente a brisa.
Na rua, vês o vento levando, devagarzinho, algumas folhas de papel brancas num
passeio rodopiante; divertido.
Tudo em preto e branco e com todos os tons possíveis de
cinza. É uma cidade. Com prédios de dimensões impressionantes. Com janelas
quadradas e equidistantes – não fosse a variação de cinzas todas lembrariam
enormes tabuleiros de damas/xadrez.
Os carros estacionados. Tantos e de tantas marcas
diferentes... Outdoors luminosos lá no alto, oscilando em P&B e anunciando
o que tu, provavelmente, nunca te interessarias em comprar.
Depois de tanto tempo e depois de tanto andar, te afliges um
pouco por não encontrar um alguém sequer. Desconfiando que talvez pudesses,
pensas em voar para encontrar uma alma viva ao menos lá de cima. Mas, lembras:
"estou acordado. Acordei uma vez e há horas".
De repente a brisa para. E todos os papéis bailando e
deslizando como pássaros fincam no chão – como se sugados pelo óbvio.
O preto e o branco e os cinzas... Não mais se definem em seus
espaços. Esfumaçam e invadem grotesca, grosseira e vigorosamente o espaço uns
dos outros. Mas, tudo muito estático – como se o carvão fizesse agora parte da
fachada de todos os prédios; como se eles soltassem fumaça pelas narinas e
ameaçassem explodir... Mas de um modo totalmente seco; vazio.
Os carros abandonados. Uns por cima dos outros, confundem-se
em estilos e atrapalham a passagem. Os anúncios em outdoors no alto não mais
existem... Não existe mais o alto. Não dá mais pra ver o que há lá.
Os passos não mais ecoam. A voz não sai. Tentas correr, não te moves mais que
um passo. É lógico estar parado; sufocado. O grito não irrompe, mesmo diante de
tanta vontade. O choro não vem para consolar-te.
Sentes grilhões e correntes pesadas a aprisionar-te.
Não há dor, mas precisa que ela te traga de volta à vida. Transforma-la em
física, pois a sente na alma por estar aprisionada.
Preferia que sonho fosse e que pudesse estar num mundo
epopeico escrito por Ariano Suassuna. Mil vezes enfrentar o diabo e a morte,
Juiz Corregedor, salvar Margarida, encontrar onças pintadas, carvalhadas e todo
o inferno que viesse a destrinchar. Um milhão de vezes no Sertão de Taperoá...
Mas nada vem...
Meu calabouço. Meu “pior que a morte” criado. O deserto,
silêncio
#PHpoemaday
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